Sentei-me num banco ao lado da janela. Com os phones nos ouvidos, observava a bela paisagem. Via campos verdes cobertos de inúmeras flores amarelas, as enormes árvores enchiam-se de pássaros. Avistava-se já, um pequeno ribeiro ao longe. Havia dois pescadores nas margens do mesmo que, com as suas canas tentavam encontrar peixe. O comboio chegou a outra estação. Parou. Fixei, pela janela, uma casa tão velha em que as suas paredes encontravam-se tão degradas que estavam em risco de ruir.
De repente, uma varatoca-me no joelho direito. Instantaneamente retirei os phones e guardei o aparelho de música. Olhei repentinamentepara ver o que se passava. Vi uma adolescente, com óculos escuros e com aquela vara, intuitivamente percebi que sofria de cegueira. Nunca tinha conhecido nenhuma pessoa assim. A rapariga tinha percebido que estava alguém sentado naquele banco, e então, perguntou delicadamente:
- Desculpe, posso-me sentar ao seu lado?
- Claro! Precisas de ajuda? – Perguntei-me com uma enorme naturalidade, afinal, devia ter praticamente a minha idade.
- Obrigada mas, eu consigo acomodar-me sozinha.
Calei-me. Achava admirável a capacidade que estas pessoas tinham de se movimentarem sozinhas, de viverem…sem verem. O comboio estava praticamente cheio e o segurançaaproximava-se do nosso banco para pedir os bilhetes.
Olhei pela janela fora e apercebi-me de que já tínhamos chegado a uma cidade, presumi que seria Cebrulta. Via, agora, prédios e prédios, não se havia nenhuma árvore.
Com o maior à-vontade, disse-me:
- Eu nasci assim, o meu avô paterno era cego. Tinha eu cerca de 2 anos quando percebi que era mesmo diferente das outras pessoas. Ouvia-as dizer: “o amarelo fica-te bem”, “que carro giro”, “faz uma letra maior”, e eu não sabia o que era o amarelo, não sabia como era o carro, e até mesmo como eram as letras…
As suas palavras entristeceram-me. Continuou:
-…Sentia-me diferente. Cresci e comecei a perceber realmente o meu problema. Agora, aceito-o, não tenho outra opção. Aprendi a viver assim, aprendi a depender de outros para fazer certas coisas, mas sou feliz.
Ouviu-se “Paragem em Caspira” e a rapariga acrescentou:
- O meu nome é Mafalda e a minha viagem chegou ao fim. Obrigada por me ouvires.
Levantou-se. Levantei-me também. Ajudei-a a sair e disse:
- O meu nome é Afonso.